Ubatuba – Ilha da Vitória – Ilhabela (Saco do Sombrio) – Ilha dos Búzios – Ubatuba (11 e 12/04/2015)
- Milhas percorridas: 65
- Embarcação: Beleza Pura – Velamar 34
- Tripulação: Felipe Ferraz, Eduardo Soares e Renato Boralli
Relato
Já passavam das 23h quando nosso amigo Renato Boralli chegou à marina. Eu e o Du já estávamos no barco fazia algumas horas, aprontando tudo para talvez sairmos naquela noite mesmo. Um vento médio soprava, mesmo dentro da proteção do Saco da Ribeira, o que assustava um pouco, mas após alguns minutos de vento constante, vimos que não era nenhuma tempestade, e sim mesmo o famoso vento Leste que geralmente impera em Ubatuba. Decidimos sair naquela noite mesmo, porém não diretamente para nosso objetivo que era a Ilha Vitória, mas apenas até a calma e tranquila praia do Flamengo, a cerca de 10 minutos dali, para já aproveitarmos a bela noite de céu limpo longe das luzes da cidade.
A ideia inicial era acordarmos por volta das 5h e zarparmos para a Ilha Vitória, mergulharmos por lá, e depois partir para o Saco do Sombrio, na parte sul da Ilhabela, para pernoitarmos. Não tínhamos o domingo definido, mas queríamos mergulhar de novo, e retornar para Ubatuba no final da tarde.
A noite na Praia do Flamengo foi magnífica como sempre, a lua cheia iluminando fortemente a enseada, as estrelas polvilhando o céu, o silêncio absoluto dos arredores nos permitindo ouvir o chiado fraco do vento batendo contra as árvores da encosta e a música suave da água contra o costado do barco … que privilégio é poder dormir no mar!
No sábado de manhã acordamos um pouco mais tarde do que o previsto (ninguém é de ferro!), tomamos um café da manhã reforçado por sabermos que íamos demorar pra comer de novo, então o Du preparou umas tapiocas de presunto e queijo muito bem feitas! Cozinhar em um veleiro é um perrengue, mas essa é uma arte em que o Du já está bem avançado! Um verdadeiro alívio ter a bordo um cara que assume sem medo o fogão hehehe… Saímos por volta das 7:30h, o vento que soprou a noite toda tinha sumido e como queríamos mergulhar logo, não nos restava outra opção senão motorar até a Vitória. O mar estava um pouco agitado, com ondas de 1,5 a 2m vindas de Leste-Sudeste, ou seja, éramos obrigados a ir cortando essas ondas bem de frente. Sem problemas, a perspectiva de chegar lá e cair no marzão azul não nos deixava desanimar. Outros 2 veleiros saíram praticamente juntos conosco e com o mesmo destino, assim nossa pequena frota chegou à Ilha Vitória após 3h de motor.
A Ilha Vitória é relativamente pequena, formando duas baías maiores em formato de V, uma de cada lado da ilha, sendo uma do lado Oeste e a outra, geralmente mais abrigada, do lado Leste chamada Saco da Professora. Aqui cometemos um pequeno erro… como o mais comum é sempre mergulhar no Saco da Professora, fomos direto para lá. Porém como eu disse acima, as ondas estavam altas, e vindas exatamente de sudeste, ou seja, entravam com tudo onde ancoramos, o que tornou a preparação pré-mergulho um trabalho bem chato. Deveríamos ter ido mergulhar do outro lado, onde teríamos muito mais tranquilidade para armar o equipamento. Mas, paciência, já estávamos ancorados, já estávamos começando a montagem, e mudar de lugar agora não seria prático.
O mergulho correu super bem… era o primeiro mergulho do Renato após tirar a carteirinha de mergulhador, então sempre é um pouco tenso, mas ele teve um ótimo comportamento, sem desespero e bem treinado. Logo de cara encontramos uma raia-borboleta muito grande, coisa de pelo menos 1.5m de envergadura! Muitos frades, bodiões, cirurgiões, peixinhos pequenos em grandes cardumes, encontramos uma moreia do tipo mirictis, meio rara de se ver, enfim, um ótimo mergulho. Ao final, já sabendo os pontos de maior concentração de peixe, peguei o arpão e desci algumas vezes para garantir o almoço hehehe… saldo da pescaria: três peixes médios (dois cirurgiões e um peixe vermelho que não sei o nome, no nosso menu ficou batizado de pescada vermelha! hahaha), ideal pra matar a fome de três marmanjos!
Aprontamos tudo e saímos dali por volta das 14:30h. O vento estava soprando bem leve, em torno de 5-6 nós, vindo de Leste-Noroeste, fazendo exatamente o rumo que devíamos seguir para passarmos por fora da Ilha dos Búzios para depois rumar pro Saco do Sombrio na Ilhabela. Nesse caso com o vento pela popa, e estando sem balão e sem pau de spinakker, não tinha muito o que fazer a não ser deixar o vento pela alheta e ir dando jaibes com pernas longas.
Sem pressa, sem nenhuma previsão de tempo ruim ou mar grosso, não tínhamos nenhum motivo pra ligar o motor. Com o vento que estava e o rumo que conseguíamos fazer, a previsão de chegada ao Saco do Sombrio era por volta das 0h, mas quem ligava? Tocamos o barco por umas 3h assim, e nesse meio tempo o Du limpou os peixes e preparou um sashimi fenomenal, devidamente devorado no cockpit do barco enquanto víamos o pôr-do-sol por trás das montanhas da Ilhabela… momentos que não tem preço! A noite começou a cair por volta das 18h e com ela o vento começou a melhorar, rondando para Sudeste e aumentando para uns 10 nós, o que já tornava a velejada muito gostosa. Pra completar o cenário, o céu começa a se encher de brilho… primeiro Vênus ao Oeste, depois Júpiter quase no zênite, depois Sirius, Canopus, Rigel, Betelgeuse, o Cruzeiro do Sul, e em questão de meia-hora, eu tinha certeza que podia ver todas as estrelas do firmamento! Que visão!! O céu noturno em alto-mar é uma maravilha indescritível, só vendo mesmo pra acreditar. Sentamos os três no convés observando boquiabertos o espetáculo celeste… vimos muitos satélites e alguns meteoritos também… coisa linda!
A velejada se manteve estável até chegarmos ao destino… velejamos com o vento de través até ultrapassarmos a altura do Saco do Sombrio aí demos um jaibe na direção do mesmo. Os faróis da Ponta Pirabura e da Ponta Grossa nos auxiliando na localização, além, é claro, do GPS trabalhando constantemente. Chegamos por volta das 23h motorando ao Saco do Sombrio, um ancoradouro muito protegido que não conhecíamos ainda, portanto nos aproximamos bem devagar, utilizando um farolete para verificar a existência de bóias, marcações, redes, etc, e dali meia hora estávamos seguramente atracados no fundo da baía, bem em frente à base do Iate Clube de Ilhabela que existe por lá. A bioluminescência proveniente do plâncton estava super forte, fazendo com que qualquer movimento no mar provocasse uma onda de brilho, ahhh foi a deixa pra pularmos na água e ficarmos brincando com a luz! A única coisa que queríamos depois disso era um banho, comida e cama, e foi exatamente nessa ordem. O rango novamente ficou por conta do Du que preparou o restante dos peixes na frigideira, fez um arroz e uma salada. Um pouco antes de me recolher pra dormir, fui lá fora bater um papo com o Belezinha:
– Puta velejada da hora hoje heim, parceiro? Você tá ficando bom nisso!
– Ahhh magina, Felão! Vocês que tão aprendendo a me conduzir direito… também, pudera, com o tanto de cagada que já fizeram comigo!! Uma hora aprende!! Hehehehe
– Eeeehhh folgadão, olha lá heim, te deixo pegar uma onda de través amanhã pra aprender a deixar de ser besta!
– Hahaha ok ok, foi da hora mesmo! Não vejo a hora de sairmos por aí de novo amanhã! Será que vai ventar?
– Paciência, meu irmão, paciência… obrigado mesmo por hoje. Você tá foda! Boa noite, aproveita esse céu estrelado aí!
– Boa noite, skipper… sonhe comigo!
– Eu vou, amigão… eu vou…
O calor e o brilho do sol do começo do Outono lentamente foi invadindo a cabine e se não fosse esse “despertador”, provavelmente dormiríamos por horas a mais! O mar tão calmo que o veleiro não se movia, parecia que estávamos ancorados em concreto. Os pássaros também sendo acordados, nos presenteavam com uma bela sinfonia matinal. Porém, tão logo alguém abriu a gaiuta principal, nos deparamos com outro tipo de morador voador da Ilhabela, famoso nessas bandas: os borrachudos! Viramos um belo café-da-manhã para esses bichos chatos! Mas, paciência, é o ciclo da vida, eles também precisam comer…
Não lembro quem foi o primeiro, mas em questão de minutos estávamos os três na água. Como é delicioso poder nadar no mar logo de manhã, ter isso como sua primeira atividade! É renovador! Ficamos ali nadando em volta do barco imóvel por pelo menos uma meia hora, jogando conversa fora e aproveitando pra curar nossa pequena “ressaca” do dia anterior, causada muito mais pela canseira de um dia cheio de atividade do que pela bebida (mas ok, tomamos algumas a mais sim… rsrsrs).
A ideia era sair o mais rápido possível para que tivéssemos tempo suficiente para fazer outro mergulho, afinal tínhamos ainda 3 cilindros cheios, e chegar em Ubatuba não tão tarde, pois o Renato ainda iria voltar naquele mesmo dia pra casa. Porém aquela manhã calma no Saco do Sombrio nos convidava ao ócio! Colocamos um pen drive do Renato com algumas músicas, e estávamos decididos a ouvir algum rock pesado, tipo Black Sabbath ou Rainbow pra dar uma acordada, porém quando espetei o pen drive no som, vi uma pasta com o nome “Classic Hits” ou algo do tipo…. não resisti e coloquei pra tocar. QUE MARAVILHA! Logo de cara começa ‘House of The Rising Sun’ do grupo The Animals! Parecia que tinha sido escolhida para aquele momento…. depois Elton John, Rod Stewart, Carpenters, Beach Boys, Simon & Garfunkel… clássico atrás de clássico, a música foi nos obrigando a ficar ali mesmo, no deck do barco, secando ao sol e curtindo nossa preguiça.
Alguém finalmente tomou a iniciativa de descer, começar a ajeitar tudo para saída. Comemos novamente aquelas tapiocas reforçadas, tomamos um café e zarpamos. O vento entrava levemente na baía de Castelhanos, mas com o mar bem liso, iniciamos uma velejada deliciosa, numa orça folgada na direção Nordeste. Esse rumo nos dava duas possibilidades: podíamos seguir direto até a parte de fora da Ilha Anchieta, já em Ubatuba, para irmos mergulhar na Praia do Leste; ou poderíamos orçar um pouco mais, parar na Ilha dos Búzios para mergulhar e depois seguir mais a tarde para Ubatuba. Decidimos pela segunda opção, pois o vento estava fraco, estávamos desenvolvendo apenas 3 nós de velocidade e se deixássemos para mergulhar só em Ubatuba já estaria de noite.
Após umas 2 horas nessa velejada sossegada, estávamos na parte de dentro da Ilha dos Búzios. Iniciamos lentamente o processo de preparação dos equipamentos para o mergulho, curtindo o visual meio sombrio que agora pairava, visto que agora tínhamos nuvens escuras por cima de toda a Ilhabela. Nenhum de nós tinha mergulhado naquela ilha, portanto observamos um ponto onde haviam algumas outras embarcações pescando e fazendo caça submarina e decidimos mergulhar por ali. Tudo pronto, vamos pra água!
Confesso que o mergulho me decepcionou um pouco. Esperava encontrar a mesma quantidade e variedade de vida que encontramos na Ilha Vitória, porém, não sei se foi o ponto escolhido, ou o horário, ou como estava a maré, enfim, são muitas variáveis, mas o fato é que foi um mergulho com pouca atividade. Os peixes mais comuns estavam lá, os cardumes de cirurgiões, de sargentinhos, vários frades de todos os tamanhos, mas nada muito além disso. O que mais marcou mesmo foi uma moreia BEM GRANDE que vimos já no final do mergulho, meio azulada / amarelada, bem bonita… acabou sendo o único diferencial. Ainda antes de subirmos, estávamos a uns 12m de profundidade e pude ver o fundo da ilha, onde se dividiam mesmo as pedras e corais do fundo arenoso. Descemos um pouco mais para alcançá-lo, batemos em 20m de profundidade, nos ajoelhamos na areia, demos as mãos e, olhos nos olhos, agradecemos à magnífica Natureza por nos deixar fazer parte de seus espetáculos.
Terminamos o mergulho e voltamos nadando pela superfície até o Beleza Pura. O tempo estava exatamente o mesmo, as nuvens negras pareciam não ter mudando 1 centímetro sequer de lugar. Não demos muita chance pro azar então e saímos rapidamente em direção a Ubatuba. Não havia vento algum, e com a limitação de horário do Renato, não tínhamos outra opção senão motorar. E assim foi durante as próximas 4 horas, até chegarmos no Saco da Ribeira, que parecia um lago de tão espelhado.
O Renato começou suas arrumações pra sair, enquanto eu e o Du, que iríamos embora só na segunda a tarde, tomamos um belo banho para irmos jantar na cidade. Fizemos nossa despedida, com o resmungo constante do Renato sobre como era injusto ele ter que ir e nós ficarmos… hehehe… é amigo, é dureza mas é a realidade. Ele botou o pé na estrada, e eu e o Du botamos o estômago em dia com uma bela moqueca no Rei do Peixe, no centro de Ubatuba, com direito a ostras frescas de entrada. Ahhhh que maravilha! Como sempre digo, os rigores e limitações da vida a bordo acabam por te fazer valorizar muito mais os confortos e exageros da vida em terra. Apesar de termos ficado apenas 2 dias a bordo, já foi o suficiente para aquele banho e aquela moqueca me parecerem vida de imperador!
Acordamos cedo na segunda-feira, com muito trabalho a fazer. Tínhamos uma lista de coisas a fazer, checar, comprar, revisar, um monte mesmo de trabalho para fazer no barco até o dia da partida para Abrolhos, e queríamos usar aquela segunda-feira para avançar um pouco nessa lista. O primeiro trampo do dia foi colocarmos armadilhas para cupim em alguns pontos do barco! Por incrível que pareça, os cupins enchem o saco até no mar. Estávamos com alguns focos e não foi fácil colocar as armadilhas nos locais corretos, sempre de muito difícil acesso, mas acho que vai dar certo. O segundo serviço do dia foi retirar nosso fogão para levar para Limeira, já que não encontrávamos ninguém lá em Ubatuba que consertasse o queimador do forno, já quebrado há alguns meses. Arrumamos também a tampa de nossa geladeira e tiramos medida da borracha da geladeira para substituição. Fizemos uma revisão nos estaiamento do barco, junto com nosso amigo Ceará que presta serviço lá em Ubatuba, e chegamos a conclusão que precisamos substituir alguns fuzíveis que estavam danificados. Ele também irá preparar uma nova adriça para nosso gennakker e para uma vela menor de proa (genoa 3 ou buja), além de nos vender um pau de spinnakker também e trocar algumas outras peças como moitões e roldanas. Pra uma viagem como a que vamos fazer, não podemos arriscar em ter peças danificadas, e com as alterações a fazer, vamos ficar com uma ótima gama de armações que podemos usar para velejar.
Ainda antes de sair conversamos também com o eletricista do barco, o Ivã, passamos alguns serviços também que precisavam ser revistos (o pior deles é a luz de top, uma lâmpada que fica no topo do mastro, que está com mau contato, hora liga e hora não… vai ter que subir pra verificar!) e combinamos de marcar um dia pra uma pequena ‘tour’ e ‘aula’ de elétrica no Beleza Pura. Queremos aprender tudo que podemos sobre as entranhas do barco, e a parte elétrica é essencial.
Pra fechar com chave de ouro, ainda conseguimos adentrar em um barco vizinho do nosso, o Santa Vitória, um barco de alumínio, feito no estaleiro do Amyr Klink, e projetado por Thierry Stump, com sistema de mastreação aerorig, aquele que não usa estais, igual o dos barcos do Amyr! Que barco maravilhoso! Totalmente equipado, confortável, pensado para ser usado em qualquer parte do globo e em qualquer situação de vento ou mar… ficamos babando! De lá de fora puder ouvir o Belezinha:
– Hey seus putos, não adianta babar nesse moderninho aí não!!! Vocês vão é comigo pra Abrolhos!!! Sou véio mas me garanto! Hahahaha!!
Sacana… ele estava certo…. chega de sonho, de volta pro BP! Arrumamos nossas coisas, voltamos para nossas cidades, mas a cabeça já está na próxima etapa do treinamento, nos próximos reparos a fazer, na próxima velejada rumo ao sonho maior de simplesmente se largar no mar ao sabor dos ventos.
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